quarta-feira, 6 de julho de 2011

Prescrição no Direito Penal

Olá pessoal,

Antes de tudo: MUITO OBRIGADA pelo carinho, incentivo e pelos comentários (por aqui, pessoalmente, pelo Twitter, MSN, etc.) de todos que tem acompanhado o blog.

Conceito, importância e natureza jurídica

Bom, hoje falaremos sobre a prescrição no Direito Penal. Mas o que é “prescrição” mesmo? Xi, esqueci! Ah é, lembrei: prescrição no Direito quer dizer a perda de um direito ou pretensão pela inércia do sujeito por um determinado tempo, basicamente isso. No Direito Civil, a prescrição pode ser a perda da pretensão de reparação de um direito violado ou ser até mesmo causa de aquisição de um direito como na usucapião (quem já estudou Direito das Coisas vai se lembrar e me matar por trazer essa lembrança). Também vamos encontrar a nossa querida prescrição no Direito do Trabalho, Administrativo, Penal e por aí afora, mas hoje o foco será a área criminal.

A prescrição no Direito Penal é, como uma das causas extintivas da punibilidade, encontrada no Art. 107, IV e regulada pelos Arts. 109 ao 119, todos do CP.

Podemos conceituar a prescrição como o instituto pelo qual o Estado, por não ter tido capacidade de processar e punir uma pessoa em determinado espaço de tempo previsto em lei, faz com que ocorra a extinção do seu próprio direito de punir.

Vários fundamentos surgiram ao longo do tempo para justificar a prescrição, dentre eles o esquecimento da infração penal, o desaparecimento da necessidade de exemplo para a sociedade, a dispersão de provas e, claro, a tranqüilidade daquele que cometeu a infração, tendo em vista que um erro do passado não poderia persegui-lo pelo resta da vida. Também seria perigoso demais dar ao Estado o poder de perseguir, quem quer que fosse, sem data para que terminasse a busca. Por isso mesmo é que, independentemente da fase do processo, a prescrição pode ser reconhecida a qualquer momento, é questão de ordem pública e o juiz pode reconhecê-la de ofício.

A natureza jurídica da prescrição não é assunto pacífico na doutrina, alguns consideram-na de natureza material, outros de natureza processual, ainda há quem a considere mista. No entanto, como a prescrição está no Código Penal, direito material, entendemos que seja ela de natureza material. Rogério Greco e Cesar Roberto Bitencourt concordam conosco.

Espécies

De acordo com o CP, temos duas espécies de prescrição: prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória.

A pretensão punitiva está no direito do Estado processar e punir determinado indivíduo, constituindo um título executivo para que possa executar a pena, com este título, o Estado terá outro prazo, agora para executar a pena, chegando aí a pretensão executória. Complicou? Vamos usar um exemplo simples pra clarear: A furtou uma televisão. O Promotor de Justiça ofereceu denúncia, 6 meses depois, pelo crime de furto simples (Art. 155, CP) em que a pena máxima é de 4 anos. O Estado tem 8 anos de prazo para processar e condenar A pela prática de furto simples, essa é a prescrição da pretensão punitiva. Se mais 6 meses após o oferecimento da denúncia vier uma sentença condenando, em 1 ano de reclusão, A pelo crime de furto, o Estado terá outro prazo, agora para executar a sentença, no caso seriam 4 anos. Agora melhorou.

Mas qual a diferença prática dessas duas espécies de prescrição? Simples e importantíssima, na prescrição da pretensão punitiva, o réu continuará a ter seu status de primário, nada poderá constar em seus antecedentes criminais em relação ao crime em que ocorreu a prescrição e, além disso, a vítima não terá como executar o decreto condenatório na esfera cível, se for o caso. Já na prescrição da pretensão executória, o réu terá em seus antecedentes criminais tal crime, não será mais “primário”, se vier a praticar novo crime será considerado reincidente e a vítima do delito terá à sua disposição o título executivo judicial criado pela sentença.

Vale a pena trazer aqui uma decisão do STJ:

“A incidência da prescrição pretensão punitiva importa na rescisão da sentença condenatória, que não faz coisa julgada material, e na supressão de seus efeitos principais e acessórios, resultando, ainda, na perda do direito de ação cognitiva, pois extingue a pretensão do Estado em obter qualquer decisão a respeito do fato criminoso, não acarretando nenhuma responsabilidade do acusado, tampouco marcando seus antecedentes ou gerando futura reincidência. Equivale, na verdade, à exata proclamação de inocência, pois são apagados os efeitos da sentença condenatória, como se jamais tivesse existido ou sido praticado o crime” (MS 6877 / DF – Mandado de Segurança 2000/0027913-7 – 3ª Seção – Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 25/04/2001, publicado no DJ em 21/05/2001, p. 55).

Prescrição antes de transitar em julgado a sentença

Os prazos de prescrição antes que a sentença transite em julgado, ou seja, quando não há mais possibilidade de recurso para acusação ou defesa, estão no Art. 109 do CP e são estipulados com base na pena máxima do crime em questão. Por exemplo, no inciso I, ocorre a prescrição em 20 anos para o crime de homicídio simples, pois sua pena máxima é de 12 anos.

Prazos (anos) X Pena Máxima (anos)
20   à   +12
16   à   +8 até 12
12   à   +4 até 8
8    à    +2 até 4
4    à    1 até 2
3    à    -1

Lembrando que mesmo no caso das penas restritivas de direitos, a prescrição ocorre nos mesmos prazos das penas privativas de liberdade. Nas penas de multa, a prescrição ocorre em 2 anos quando a única pena é a de multa, mas quando for aplicada pena de multa e pena privativa de liberdade, os prazos serão os mesmos do Art. 109.

Uma observação importante deve ser feita em relação a Lei 11.343/06 (Lei de Drogas) em seu Art. 28 que define o consumo, ainda que pessoal, como crime. Quem tiver a curiosidade de olhar as penas aplicáveis no Art. 28, perceberá que não há pena privativa de liberdade ou alguma referência a “anos” de prestação de serviço a comunidade. E agora? Como saber em quanto tempo prescreve tal crime se não há uma pena máxima como base? Seria um crime imprescritível? Claro que não. A resposta para nossa pergunta está mais a frente no Art. 30 que já define que prescrevem em 2 anos a imposição e execução das penas.

Prescrição depois de transitada em julgado a sentença final

Os prazos da prescrição, após transitada em julgado a sentença condenatória, serão os da pena aplicada na sentença. Por exemplo, Furtadinho foi condenado a uma pena privativa de liberdade de 7 anos por furto qualificado. A pena máxima no furto qualificado é de 8 anos, mas como Furtadinho já foi julgado e condenado, a prescrição agora será observada no Art. 109 de acordo com sua pena, assim a prescrição da pretensão executória ocorrerá em 12 anos por força do inciso III.

Termo inicial da prescrição ANTES do trânsito em julgado da sentença

A prescrição começa a correr, antes do trânsito em julgado da sentença final, nos termos do Art. 111 do CP, ou seja:

I) Da data em que o crime se consumou – Lá no Art. 4º, o CP adota como regra a teoria da atividade, ou seja, considera consumado o crime no momento da ação ou omissão, isso porque alguns crimes podem ser praticados em determinado momento e terem seu resultado em outro, como no homicídio. Aqui o CP abre uma exceção ao adotar a teoria do resultado, ou seja, considera consumado o crime no momento da ação ou omissão, como na lesão corporal.

II) Nos casos de tentativa, a prescrição começa a correr no dia em que cessou a atividade criminosa, como no caso de envenenamento em pequenas doses, a prescrição começa a ser contada a partir da data da última dose.

III) Nos crimes permanentes, no dia em que cessou a permanência, como no seqüestro.

IV) Nos casos de bigamia, falsificação ou adulteração de registro civil, a prescrição começa a correr a partir do momento em que a infração penal é conhecida.

Termo inicial da prescrição APÓS a sentença condenatória irrecorrível

Pelo Art. 112 do CP:

I) No dia em que transita em julgado a sentença condenatória para a acusação, ou seja, até aqui ainda podemos falar na prescrição da pretensão punitiva, depois disso já começa a contar a prescrição da pretensão executória.

II) O inciso II trata da interrupção do cumprimento da pena que pode ser por fuga do condenado ou por ele ter sido internado em razão de doença mental. O dia da fuga seria então o termo inicial, já no caso de internação, não haveria interrupção do cumprimento da pena, ou seja, o tempo em que o condenado estiver internado será contado como se estivesse cumprindo pena.

Redução dos prazos de prescrição

Os prazos prescricionais são contados pela metade quando, à época do fato, o criminoso tinha menos de 21 anos ou, à época da sentença, mais de 70 anos. Por exemplo, se X tem 20 anos e mata Z, a prescrição para o crime de homicídio ocorreria em 20 anos, mas como X tem menos de 21 anos, a prescrição ocorrerá em 10 anos.

É um benefício que o Art. 115 traz para aqueles que ainda não atingiram a “maturidade mental” suficiente e para aqueles que já estão, praticamente, no fim da vida.

Causas suspensivas da prescrição

As causas suspensivas fazem com que, por um tempo, a prescrição pare de correr e quando ela voltar a correr, o prazo que já passou será somado com o que correr após o período em que ela ficou parada. É como se fosse o intervalo do jogo de futebol, temos o primeiro tempo com 45 min, depois o intervalo e voltamos com 45 min, o jogo tem 90 min do mesmo jeito. Não contamos o intervalo.

As hipóteses de suspensão estão no Art. 116 e são duas:

I) Quando falta concluir em outro processo uma questão que seria indispensável para a absolvição ou condenação. Por exemplo no caso de bigamia em que num processo cível discute-se a validade do primeiro casamento, até que se decida pela validade ou não, a prescrição não deverá correr, mas esperar pelo resultado do outro processo.

II) Quando o condenado cumpre pena em outro país não corre a prescrição, mas se cumpre pena no Brasil haverá suspensão.

Causas interruptivas da prescrição

Ao contrário das causas suspensivas, as interruptivas promovem o reinício da contagem do prazo prescricional.
I) O recebimento da denúncia – Vale destacar que o recebimento da denúncia interrompe a prescrição e não apenas o oferecimento, devemos destacar também que deve ser válido o despacho que receber a denúncia para que ocorra a interrupção da prescrição.  O aditamento (correção ou ampliação) da denúncia não interrompe a prescrição, a não ser que contenha fatos novos que sejam infrações penais.

II) Pronúncia – A pronúncia é a decisão pela qual o juiz, convencido da materialidade do fato e da existência de indícios de autoria, determina que o julgamento seja feito pelo Tribunal do Júri, nos casos em que este tiver competência.

III) Decisão confirmatória da pronúncia – Há recurso para a decisão de pronúncia e até que ela seja confirmada a prescrição continuará correndo. Uma observação importante deve ser feita aqui: a interrupção do prazo prescricional será no dia do julgamento e não da publicação do acórdão no Diário da Justiça.

IV) Publicação da sentença ou acórdão condenatórios – Somente a publicação da sentença penal condenatória recorrível interrompe a prescrição, não possuindo essa força a sentença absolutória, uma regra clara para beneficiar o réu. Não podemos confundir o inciso III com o IV, no primeiro falamos da pronúncia (a data do julgamento é o marco interruptivo) e aqui estamos falando da sentença ou acórdão condenatórios em que a publicação da decisão é que interrompe a prescrição.

V) Início ou continuação do cumprimento da pena – Aqui encontramos outra vez a prescrição da pretensão executória, em que se o condenado foi preso por um único dia, já interrompeu o prazo prescricional.

VI) Reincidência – O que é isso mesmo? É quando o indivíduo comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que o condenou por crime anterior. E estamos falando em crime, não em contravenção penal.

Lembrando também que, exceto nos casos dos incisos V e VI que tratam da prescrição em relação ao condenado, a interrupção dos prazos se estendem a todos os réus do processo.

Concurso de crimes

Por força do Art. 119 do CP, em caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um isoladamente, mas por que isso? Vamos exemplificar: X, ao limpar sua arma, culposamente, faz com que ela dispare e acerte Y e Z. Após uma semana, Y morre e Z tem apenas uma lesão no braço. Quando o juiz for analisar os prazos prescricionais em relação ao fato, fará o cálculo pelo homicídio culposo e depois pela lesão corporal. São crimes diferentes e com prazos muito diferentes. Interessante, não?

Imprescritibilidade

Como no Direito sempre há exceções, na prescrição não é diferente. A Constituição Federal de 1988 definiu duas hipóteses de crimes imprescritíveis. São eles:
I) A prática do racismo (Art. 5º, XLII, CF/88);
II) Ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (Art. 5º, XLIV, CF/88).

Eu sei, eu falo demais, mas o assunto tem muitos detalhes importantes que não poderíamos deixar de, pelo menos, citar. Aguardo as críticas, sugestões, dicas, perguntas, opiniões, etc.

Por enquanto, isso é tudo, pessoal!

Um abraço e até breve!

Obs.: Dúvidas dos comentários postados até 04/05/2017 foram esclarecidas na postagem: Prescrição no Direito Penal II - Esclarecimento de dúvidas. Aguardo você lá! ;)

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