Olá, pessoal!
Retorno hoje com um estudo que realizei em Filosofia do Direito, mais especificamente com Chaïm Perelman, um filósofo polonês nascido em 1912 e que faleceu em 1984. Perelman era polonês, mas viveu na Bélgica e lá ganhou destaque com suas ideias acerca da emancipação do raciocínio jurídico e da lógica do pensamento jurídico.
Neste estudo, trago um resumo e as principais características do pensamento de Perelman e ainda faço algumas comparações com o pensamento de Hans Kelsen.
Ao analisar o pensamento de Chaïm Perelman, é possível notar consideravelmente suas
diferenças em relação a Hans Kelsen, pois enquanto este se preocupava com a
validade da norma, aquele se preocupava com o raciocínio jurídico e a justiça
advinda da aplicação das normas na prática.
Perelman
procura lidar e conciliar com as seguintes questões:
a) como se raciocina
juridicamente?
b) qual a peculiaridade do raciocínio jurídico
c) quais as
características desse raciocínio?
d) de onde extrai o juiz subsídios para a
construção da decisão justa?
e) até onde leva a argumentação das partes em
construção de decisão justa?
f) qual a influência que a argumentação e a
persuasão possuem para definir as estruturas jurídicas?
O
estudo de Perelman foi voltado para a atividade judiciária, de apreciação das
normas, do relacionamento destas com fatos e acontecimentos concretos, ou seja,
do Direito na prática e o uso do discurso pelos operadores do direito.
Ao
contrário de Kelsen, Perelman entende que a lógica judiciária não se resume à
mera dedução de conclusões extraídas do texto da lei, pois este é traidor se
encarado como texto dotado de único sentido. Ademais, o raciocínio jurídico é
um raciocínio engajado em seu contexto, seja político, econômico, ideológico,
social ou cultural, o que só faz com que o mito da legalidade pura e estreita
desapareça no horizonte do folclore jurídico.
É
necessário fazer uma observação no que diz respeito ao que Perelman ensina para que
ele não seja mal entendido. O autor não pensa que seja possível definir que a
justiça seja feita pelo juiz nem pensa em conceituar uma verdade judicial, mas
entende que o juízo do magistrado pode alcançar um resultado socialmente
institucionalizado e, portanto, aceito pela sociedade.
Chaïm
Perelman conceitua a justiça como uma constante luta entre a equidade que se
pode ministrar ao caso concreto e a segurança do princípio da legalidade, de
modo que o juiz deve se ater a viver o drama corrente de medir esses valores e
administrá-los diante de cada caso. Com isso, é desse equilíbrio tenso que
surge a justiça das decisões.
Para
Perelman, o juiz não faz a verdade, não raciocina para tornar a realidade dos
autos uma transparente descrição de acontecimentos passados. O advogado não
procura provocar o juiz a alcançar a verdade, mas tão somente adotar a sua
argumentação.
Dessa
forma, como princípio processual básico, tem-se como ponto de partida para a
discussão acerca da controvérsia jurisdicional o fato de que a verdade não
existe, mas é construída, o que deixa claro que o juiz não é a boca da lei.
Aristóteles
teve grande influência no pensamento de Perelman, que criou um discurso que
constrói o saber jurídico; é em discurso que se constrói a justiça, a equidade,
a razoabilidade, a aceitabilidade das decisões judiciais.
Com
relação à lógica da argumentação, Perelman é contrário a Kelsen, pois vislumbra
na atividade do juiz um complexo empreendimento de elaboração, condensação,
valoração, ponderação, divisão de elementos de diversas naturezas, em que não
somente a norma jurídica é um ponto de referência.
Para
Perelman, a decisão fundamentada é a forma legítima de expressão decisória,
esta capaz de pôr fim a outros argumentos. Na formação da vontade decisória, é
de fundamental importância o domínio de técnicas de argumentação e do uso de
provas, seja para o agente julgador, seja para os operadores do direito que com
ele estiverem interagindo. Com isso, o julgador possui a atribuição de
construir e completar o sistema jurídico, que, por sinal, tendo em vista as
lacunas e as antinomias jurídicas, não é um sistema fechado, mas aberto. O
absoluto no campo do sistema jurídico não pode vencer e o julgador possui o
poder de superar a lei para fazer justiça. Absolutamente o oposto do pensamento
kelseniano.
Perelman
traz ainda a nova retórica e uma proposta perelniana. Para ele, a nova retórica
abala os tradicionais conceitos esculpidos ao longo dos anos por uma forte
tendência positivista que se instalou nos meios jurídicos. A nova retórica
provoca o jurista a não pensar os fatos dentro dos limites da lei, mas a pensar
os fatos como ocorrências suscetíveis de valoração que se combinam em
argumentos favoráveis ou contrários aos interesses em jogo em determinada
causa, mas que se revelam por meio do discurso e da prática judiciária.
A
argumentação retórica se desenvolve em meio a um sistema de idéias que o
ouvinte não está obrigado a aceitar as conclusões do raciocínio desenvolvido,
pois as premissas não configuram um sistema rígido de valores e opções. Há
sempre a possibilidade de o argumento não ser adequado, não convencer, ser
contestado, etc.
É
necessário mencionar a ética na argumentação, sendo de responsabilidade do
indivíduo que a desenvolve. Obviamente Perelman não se debruça no estudo das
consequências que a má-fé do operador do Direito pode trazer. Presume que a
retórica seja apenas um estudo técnico dos processos e dos instrumentos de
produção de convencimento e persuasão, mas que o conteúdo dos expedientes
retóricos utilizados caminhem para a verossimilhança, e não para a sofística
pura e simples, na linha de preocupações aristotélicas, sendo esse o desafio
teórico da retórica perelniana.
Assim,
Perelman entende que a lógica jurídica se diferencia das outras por ser
dialética ou argumentativa, ou seja, não é dedutiva, rígida nem abstrata. O
raciocínio jurídico se desenrola com base em fatos concretos, em situações
flagrantes, em meio a contextos políticos, em outras palavras, no dia a dia
forense.
Portanto,
o autor em estudo demonstra toda sua preocupação com o que é justo e injusto,
com a argumentação e até onde está pode levar o operador do direito a alcançar
seus objetivos nas causas judiciais, bem como na construção da decisão
judicial. Perelman se mostra muito mais engajado na realidade prática,
preocupado com as consequências de normas incoerentes com os ditames da
sociologia e da ética, o que torna suas teorias mais factíveis, claras e
interessantes de serem aplicadas no dia a dia forense.
Bom, por hoje é isso aí, pessoal!
Abraço e até a próxima!
Referência: BITTAR e ALMEIDA, Curso de Filosofia do Direito. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2015. Capítulo 26: Chiam Perelman: Argumentação, Lógica e Direito, pp. 511 a 524.
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