domingo, 3 de abril de 2011

Cinco Minutos de Filosofia do Direito - Gustav Radbruch

Hoje quero compartilhar com todos um texto que a professora de Direitos Humanos indicou para leitura. Um texto pequeno de Gustav Radbruch. Considerações rápidas estalam certos detalhes com o simples passar dos minutos. Após o texto, algumas palavras minhas.


Cinco Minutos de Filosofia do Direito

Primeiro minuto
Ordens são ordens, é a lei do soldado. A lei é a lei, diz o jurista. No entanto, ao passo que para o soldado a obrigação e o dever de obediência cessam quando ele souber que a ordem recebida visa a prática dum crime, o jurista, desde que há cerca de cem anos desapareceram os últimos jusnaturalistas, não conhece exceções deste gênero à validade das leis nem ao preceito de obediência que os cidadãos lhes devem. A lei vale por ser lei, e é lei sempre que, como na generalidade dos casos, tiver do seu lado a força para se fazer impor. Esta concepção da lei e sua validade, a que chamamos Positivismo, foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitrárias, mais cruéis e mais criminosas. Torna equivalentes, em última análise, o direito e a força, levando a crer que só onde estiver a segunda estará também o primeiro.

Segundo minuto
Pretendeu-se completar, ou antes, substituir este princípio por este outro: direito é tudo aquilo que for útil ao povo. Isto quer dizer: arbítrio, violação de tratados, ilegalidade serão direito desde que sejam vantajosos para o povo. Ou melhor, praticamente: aquilo que os detentores do poder do Estado julgarem conveniente para o bem comum, o capricho do déspota, a pena decretada sem lei, ou sentença anterior, o assassínio ilegal de doentes, serão direito. E pode até significar ainda: o bem particular dos governantes passará por bem comum de todos. Desta maneira, a identificação do direito com um suposto ou invocado bem da comunidade, transforma um “Estado-de-Direito” num “Estado-contra-o-Direito”. Não, não deve dizer-se: tudo o que for útil ao povo é direito; mas, ao invés: só o que for direito será útil e proveitoso para o povo.

Terceiro minuto
Direito quer dizer o mesmo que vontade e desejo de justiça. Justiça, porém, significa: julgar sem consideração de pessoas; medir a todos pelo mesmo metro. Quando se aprova o assassínio de adversários políticos e se ordena o de pessoas de outra raça, ao mesmo tempo que ato idêntico é punido com as penas mais cruéis e afrontosas se praticado contra correligionários, isso é a negação do direito e da justiça. Quando as leis conscientemente desmentem essa vontade e desejo de justiça, como quando arbitrariamente concedem ou negam a certos homens os direitos naturais da pessoa humana, então carecerão tais leis de qualquer validade, o povo não lhes deverá obediência, e os juristas deverão ser os primeiros a recusar-lhes o caráter de jurídicas.

Quarto minuto
Certamente, ao lado da justiça o bem comum é também um dos fins do direito. Certamente, a lei, mesmo quando má, conserva ainda um valor: o valor de garantir a segurança do direito perante situações duvidosas. Certamente, a imperfeição humana não consente que sempre e em todos os casos se combinem harmoniosamente nas leis os três valores que todo o direito deve servir: o bem comum, a segurança jurídica e a justiça. Será, muitas vezes, necessário ponderar se a uma lei má, nociva ou injusta, deverá ainda reconhecer-se validade por amor da segurança do direito; ou se, por virtude da sua nocividade ou injustiça, tal validade lhe deverá ser recusada. Mas uma coisa há que deve estar profundamente gravada na consciência do povo de todos os juristas: pode haver leis tais, com um tal grau de injustiça e de nocividade para o bem comum, que toda a validade e até o caráter de jurídicas não poderão jamais deixar de lhes ser negados.

Quinto minuto
Há também princípios fundamentais de direito que são mais fortes do que todo e qualquer preceito jurídico positivo, de tal modo que toda a lei que os contrarie não poderá deixar de ser privada de validade. Há quem lhes chame direito natural e quem lhes chame direito racional. Sem dúvida, tais princípios acham-se, no seu pormenor, envoltos em graves dúvidas. Contudo o esforço de séculos conseguiu extrair deles um núcleo seguro e fixo, que reuniu nas chamadas declarações dos direitos do homem e do cidadão, e fê-lo com um consentimento de tal modo universal que, com relação a muitos deles, só um sistemático ceticismo poderá ainda levantar quaisquer dúvidas.
Na linguagem da fé religiosa estes mesmos pensamentos acham-se expressos em duas passagens do Novo Testamento. Está escrito numa delas (S. Paulo, Aos romanos, 3, 1): “deveis obediência à autoridade que exerce sobre vós o poder”. Mas numa outra (Atos dos Apost., 5, 29) está escrito também: “deveis mais obediência a Deus do que aos homens”. E não é isto aí, note-se, a expressão dum simples desejo, mas um autêntico princípio jurídico em vigor. Poderia tentar-se resolver o conflito entre estas duas passagens, é certo, por meio de uma terceira, também do Evangelho, que nos diz: “dai a Deus o que é de Deus e a César o que é de César”. Tal solução é, porém, impossível. Esta última sentença deixa-nos igualmente na dúvida sobre as fronteiras que separam os dois poderes. Mais: ela deixa afinal a decisão à voz de Deus, àquela voz que só nos fala à consciência em face de cada caso concreto.

Gustav Radbruch


Considerações  


Com uma pequena viagem pelo tempo (5 minutos), Gustav Radbruch leva-nos a refletir sobre questões óbvias, mas que com a correria do dia a dia, do universo acadêmico, com a preocupação com o trabalho e com os próprios resultados, esquecemos de olhar mais profundamente para o verdadeiro valor daquilo que estudamos. Em um curso de Direito estudamos várias leis, mas nunca paramos para analisar seu valor, sua finalidade social , seus princípios, objetivos, as causas de sua criação como deveríamos. O estudo ficou tão automático que não conseguimos enxergar a fundo o que há por trás de todo o sistema jurídico, social e político. Se conseguimos, não fazemos nada a respeito. 

O risco de afirmarmos que tudo que for útil ao povo é direito, o que não é verdade,  é grande, tendo em vista que nem sempre é o interesse do povo que os legisladores tem em mente quando aprovam determinadas leis. Na verdade, a utilidade do direito é algo subjetivo, já que cada um tem seu conceito de útil ou inútil. Para os políticos as leis que possam protegê-los são úteis, para o povo não.

Assim, como harmonizar o bem comum, a segurança jurídica e a justiça ao criar uma lei? Um grande desafio que nem sempre é levado a sério nas Câmaras e Casas Legislativas... E depois para aplicá-la? Seria o Direito Natural uma solução razoável? Todos os magistrados tem sabedoria suficiente para adequar a lei ao caso concreto?

São essas e muitíssimas outras perguntas difíceis de serem respondidas.

Ate breve! 

8 comentários:

Anônimo disse...

Muitíssimo obrigada pela gentileza de postar o texto :)

F3RRAZ disse...

Obrigado por postar o Texto! Me ajudou pois meu professor de Constitucional passou para eu ler.

sounoel@hotmail.com disse...

Ola nobre colega Bruna Alves!
Parabéns pela grande iniciativa, de postar um material de excelente qualidade, em que tive dificuldade de encontrar em pdf.
De fato, como vc afirmou, o nosso corre-corre, nos deixa, às vezes sem condições de analisar essas questões dentro do pensamento zetetissista. O positivismo tem sua cadeira fixa, mas não a única e absoluta. É necessário erigir dessa tomada axiológica, na construção de uma Ciência Jurídica, na construção de um direito justo justamente.Grande abraço, até a próxima!

ASSIS disse...

Olha realmente muito bom trabalho, para min esta sendo objeto de uma oficina de leitura e apresentação sobre esta obra. foi de grande proveito,
parabens
Francisco de Assis

ASSIS disse...

Realmete belissimo trabalho, pra min esta sendo objeto de uma oficina e apresentação sobre este tema, muito bom parabens.
Francisco de Assis

Tandresse disse...

Muito bom o texto; interessante que postou em 2011, e ainda tá dando frutos comentados. Deu vontade de fazer considerações também, o texto instiga: O mais instigante é que Direito e Filosofia se reviram para conceituar moral e ética, e o danado do conceito que já é difícil ainda é mais fácil do que a própria aplicação prática delas. E aí, o que fazer? Eu do lado que cá, que não sou juiza, desejo encarecidamente que todos os julgadores melhorem seus juízos de valores a cada dia, seu senso crítico, seu senso de humanizade ao máximo, para serem julgadores éticos, que acompanhem as mais lúcidas diretrizes que todos nós podemos espelhar, em um outro que já teve a epifania de trilhar, ou a gente mesmo criar e seguir.
Tandresse

Eu disse...

Gostei muito de ler esse texto, estou fazendo um trabalho do livro de Paulo Bonavides, Ciência Política, e me ajudou a compreender melhor o pensamento de Gustav Randbruch.
Obrigada!
Kátia Figueiredo

Unknown disse...

Obrigado, encontrei o teu blog por pesquisa no google dos 5 minutos.. Recomendado pelo professor Reis Marques da FDUC..

Deixo aqui o blog dele para se alguém tiver interesse em ver a matéria lecionada no IAD-FDUC..

http://juriscognoscendi.blogspot.pt/

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